Armas feitas com impressoras 3D se espalham pelo Brasil, abastecem o crime e preocupam autoridades

2025-05-07     IDOPRESS

Polícia Civil do Rio Grande do Sul apreendeu quatro impressoras 3D e cartuchos em São Leopoldo — Foto: Divulgação

RESUMO

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GERADO EM: 07/05/2025 - 03:30

Aumento de Armas 3D no Brasil Preocupa Autoridades e Desafia Leis

Armas fabricadas com impressoras 3D estão se disseminando no Brasil,abastecendo o crime organizado e preocupando autoridades. De 2024 a 2025,ocorreram várias apreensões de armamentos produzidos dessa forma. Chamadas de "armas-fantasmas" por serem difíceis de rastrear,representam um perigo,especialmente nas mãos de extremistas. Fábricas clandestinas foram descobertas no Rio Grande do Sul e outras operações ocorreram em estados como Pará,São Paulo e Santa Catarina. O desafio legal reside na falta de regulamentação específica para a divulgação de projetos de armas na internet.

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Fabricadas camada por camada com resina ou plástico,as armas feitas em impressoras 3D passaram a ganhar mais terreno no mundo do crime. Entre 2024 e 2025,policiais brasileiros fizeram pelo menos sete apreensões de fuzis,pistolas e outras peças confeccionadas de forma ilegal nesses equipamentos. Chamadas nos Estados Unidos de “armas-fantasmas”,pela dificuldade dos investigadores para rastreá-las,os itens representam também um perigo na mão de extremistas,segundo especialistas.

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Dois dos três casos registrados este ano ocorreram no Rio Grande do Sul,onde duas fábricas clandestinas foram fechadas pela Polícia Civil. Em março,quatro impressoras 3D foram apreendidas em um apartamento de um condomínio em área dominada pelo tráfico em São Leopoldo. No local,foram encontrados 59 carregadores de pistola nos calibres 9mm,.40 e 10mm. O material,que incluía ainda insumos para a produção de armas,era avaliado em R$ 30 mil.

— (A confecção de armas em impressoras 3D) é uma questão que tem sido debatida no mundo todo. O principal desafio é que é quase impossível de elas serem rastreadas por não terem número de série — diz o pesquisador Roberto Uchôa,do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Apesar de o tempo de durabilidade dessas armas ainda não ser conhecido,o delegado Tarcisio Lobato Kaltbach,da 1ª Delegacia de Polícia de Novo Hamburgo,enfatiza que elas têm a mesma letalidade de uma arma convencional.

Para Uchôa,extremistas motivados por questões ideológicas são um fator de preocupação:

— O ato ideológico é um perigo real na utilização dessas armas.

Em janeiro,uma outra fábrica de armas-fantasmas havia sido descoberta no município de Portão,vizinho a São Leopoldo. Segundo o delegado Ayrton Figueiredo,os armamentos eram vendidos para o crime organizado da região do Vale do Rio dos Sinos. O principal suspeito da operação era um homem de 23 anos,preso em flagrante na ocasião.

Em abril,quatro mandados de prisão preventiva foram cumpridos em São Leopoldo,Novo Hamburgo e Portão,mirando outros membros da organização.

— O chefe do esquema é traficante de armas,pois comprovamos que ele agenciava vendas de fuzis,pistolas e revólveres,todos oriundo de crimes e revendidos para outros bandidos — conta Figueiredo,acrescentando que os fabricantes dessas armas também as usam,eles próprios,para cometer delitos.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Polícia Civil do Pará também apreenderam fuzis produzidos via impressoras na BR-316,no município de Benevides. Os três armamentos estavam sendo transportados junto a 53 quilos de skunk por dois homens,disfarçados com uniformes de uma empresa privada. Em 2024,outras operações policiais encontraram armas-fantasmas,fábricas clandestinas e manuais de instruções em Santa Catarina,São Paulo e Goiás.

Arma feita com auxílio de impressora 3D foi encontrada pela PRF em Tubarão,em Santa Catarina — Foto: Divulgação

Neonazistas

Roberto Uchôa explica que,com as impressoras 3D,criminosos que antes contrabandeavam um fuzil inteiro agora usam o equipamento para produzir peças mais básicas e importam apenas as partes de mais difícil fabricação. Em 2022,a Operação Florida Heat revelou que esse método havia sido adotado pelo PM Ronnie Lessa,condenado pelo assassinato da vereadora Marielle Franco. As armas,montadas no Rio,eram vendidas para matadores de aluguel,milicianos e traficantes.

O pesquisador ressalta,contudo,que organizações criminosas preferem armas desviadas do mercado interno ou do tráfico internacional,pois essa prática despende menos esforço do que confeccionar uma e não há grande dificuldades em consegui-las. Por isso,frisa Uchôa,uma das ameaças representadas pela tecnologia é justamente o acesso fácil a armas por grupos extremistas.

Ele refere-se a casos como o da célula neonazista desmantelada pela Polícia Civil de Santa Catarina em outubro de 2022. Os alvos da operação mantinham um grupo virtual no qual discutiam e acompanhavam a fabricação de componentes das armas e munições. Conversas interceptadas pelos investigadores mostraram que os suspeitos conversavam sobre atacar pessoas em situação de rua.

Os projetos para fabricar armas em 3D costumam ser publicados de forma gratuita nas redes sociais. Os desenvolvedores tendem a justificar o trabalho de livre acesso a armas com base em argumentos libertários e antiEstado. É o caso de um morador do Rio de Janeiro que se identifica na rede social como Zé Carioca ou Joseph The Parrot. Ele é autor do design da arma Urutau,lançado em um comercial em seu perfil no X ano passado. O vídeo intercalava o slogan “Testado nos EUA,projetado no Brasil e feito na sua casa” com imagens do armamento em ação.

Arma desenvolvida pro brasileiro é testada nos Estados Unidos — Foto: Reprodução

No arquivo do projeto,há uma carta na qual estão listados os objetivos que guiaram Zé Carioca e um outro desenvolvedor: “É nossa profunda convicção que o direito ilimitado de possuir e portar armas é um direito humano fundamental”,afirma o texto assinado pelo brasileiro.

Ocultando a identidade com a imagem do personagem da Disney,ele já concedeu entrevistas para canais americanos e brasileiros sobre o desenvolvimento da Urutau. Em uma delas,Zé Carioca relata ter interesse em armas desde jovem e que,em 2019,começou a se envolver também com o universo das impressoras 3D.

— Foi mais a “pira” de criar,porque depois que eu fui totalmente sequestrado pela ideologia vi que tem toda uma parada por trás — disse Zé Carioca ao podcast da Revista Pleb’s,publicação online focado em criptomoedas,referindo-se aos ideais do movimento libertário americano. — É um pouco americanizado,mas são filosofias que podem ser aplicadas universalmente. São a primeira e a segunda emenda (da Constituição americana),o direito à liberdade de expressão absoluto e o direito de autodefesa absoluto.

A primeira arma-fantasma apareceu em maio de 2013,com a pistola Liberator,criada por um estudante de Direito e ativista pró-armas da Universidade do Texas. Apesar da repercussão,a peça tinha histórico de falhas e precisava ser recarregada a cada disparo. A tecnologia evoluiu em 2020,com o modelo Fuck Gun Control (FGC),que mais tarde apareceu nas mãos de rebeldes de Mianmar,de dissidentes do IRA na Irlanda do Norte e com neonazistas de Espanha e Finlândia. Em dezembro do ano passado,foi o gatilho de uma dessas versões que o americano Luigi Mangione apertou para disparar contra o CEO da UnitedHealthCare,Brian Thompson,em Nova York,reacendendo o debate no entorno das armas-fantasmas.

Sem lei específica

Segundo a professora de Direito da FGV Maíra Fernandes,o ato de imprimir um desses armamentos configura um crime,mesmo que o autor tenha permissão para ter armas,como um registro de CAC (Caçador,Atirador e Colecionador):

— Como essas armas não têm sinal de identificação desde a origem,bem como diante da ausência de conhecimento técnico certificado do fabricante,tais protótipos não encontram amparo normativo — destaca a criminalista.

Ainda de acordo com a especialista,não há um legislação específica para a divulgação de projetos de armas na internet. Ela avalia,no entanto,que a prática poderia ser enquadrada como uma violação do artigo 17° do Estatudo do Desarmamento. A norma determina ser ilegal o uso em proveito próprio ou alheio de arma de fogo,acessório ou munição sem autorização:

— O estatuto prevê várias condutas. A mera divulgação do projeto se enquadraria em tese no tipo “qualquer forma de utilizar para proveito próprio”. É um termo muito genérico — afirma a professora. — Essa é uma discussão muito incipiente,não há nenhum diploma legal que regule o assunto.

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