Análise: Casa Branca abre crise constitucional ao desobedecer ordens da Justiça sobre deportações, dizem juristas

2025-03-20     HaiPress

Presidente Donald Trump no Salão Oval da Casa Branca,em Washington — Foto: Doug Mills/The New York Time

No fim de semana,o governo do presidente dos EUA,Donald Trump,ignorou a ordem de um juiz federal de não deportar um grupo de homens venezuelanos,violando uma instrução que não poderia ter sido mais clara ou direta. Depois,os advogados do Departamento de Justiça justificaram as ações da Casa Branca com alegações que,segundo muitos especialistas jurídicos,beiravam a frivolidade.

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A linha entre os argumentos em apoio a um suposto direito de desobedecer às ordens judiciais e o desafio absoluto tornou-se muito tênue,disseram eles,levantando novamente a questão de saber se o último confronto entre o presidente Donald Trump e o Judiciário equivale a uma crise constitucional.

Os juristas afirmam que essa não é mais a pergunta certa. Trump já está minando a separação de poderes no centro do sistema constitucional,e a questão agora é saber como isso transformará a nação,eles pontuam.

— Se alguém está sendo detido ou removido com base na afirmação do governo de que pode fazê-lo sem revisão judicial ou devido processo,o presidente está afirmando o poder ditatorial e a crise constitucional não capta a gravidade da situação — comentou Jamal Greene,professor de direito da Universidade Columbia.

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Trump elevou o tom na terça-feira ao pedir a destituição do juiz que emitiu a ordem,James Boasberg,do Tribunal Distrital dos EUA em Washington,descrevendo-o nas mídias sociais como um “lunático da esquerda radical”.

Algumas horas depois,o presidente da Suprema Corte,John Roberts,emitiu uma declaração incomum,aparentemente motivada por essas exortações e talvez pela apresentação de pedidos de impeachment contra Boasberg por um membro republicano da Câmara.

“Por mais de dois séculos,foi estabelecido que o impeachment não é uma resposta apropriada à discordância com relação a uma decisão judicial”,disse o presidente da Suprema Corte. “O processo normal de revisão de apelação existe para esse propósito.”

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Em uma aparição na Fox News,Trump disse a Laura Ingraham que o presidente do Supremo não o havia mencionado pelo nome. Ainda assim,as declarações conflitantes,que se somaram ao confronto nas instâncias inferiores sobre as deportações,alimentaram a sensação de que a disputa há muito prevista entre Trump e o Judiciário federal havia sido totalmente iniciada.

Aziz Huq,professor de direito da Universidade de Chicago,disse que avaliar se um determinado desenvolvimento é uma crise constitucional é “geralmente inútil”.

— Acho que é mais útil dizer que isso está nos levando a um tipo completamente diferente de ordem constitucional,uma ordem que não é mais caracterizada por leis que vinculam as autoridades e que podem ser aplicadas — avalia Huq. — A lei,em outras palavras,torna-se uma ferramenta para prejudicar os inimigos,mas não para obrigar os governantes. Essa é uma ordem constitucional bem diferente daquela que temos há muito tempo.

A diretriz contestada foi emitida em uma audiência no sábado por Boasberg. Ela buscava interromper a remoção de mais de 200 imigrantes,supostamente membros de uma gangue venezuelana,para El Salvador,depois que Trump invocou a controversa Lei do Inimigo Estrangeiro (The Alien Enemy Act,em inglês) de 1798 para ordenar sua rápida deportação. A Casa Branca ignorou a ordem,emitida pelo tribunal,de devolver os aviões aos Estados Unidos.

— Não importa como será feito,seja dando meia-volta em um avião ou não embarcando ninguém no avião ou as pessoas abrangidas por isso no avião,deixo a seu critério — disse Boasberg a um advogado do governo. — Mas isso é algo que você precisa garantir que seja cumprido imediatamente.

Os aviões continuaram voando.

Em uma audiência na segunda-feira,outro advogado do governo disse que o governo não estava vinculado à ordem oral,por mais específica que fosse,mas apenas a um registro por escrito que a resumia em termos gerais,sem referência aos aviões,embora começando com a frase “conforme discutido na audiência de hoje”.

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O governo pode muito bem vencer perante os juízes nas questões subjacentes do caso,que envolvem questões constitucionais difíceis sobre o poder presidencial em relação à segurança nacional e à imigração. Mas essas questões são distintas da atual: o presidente deve obedecer às ordens judiciais que ele alega estarem erradas enquanto recorre delas?

A secretária de imprensa da Casa Branca,Karoline Leavitt,defendeu a conduta do governo nas mídias sociais.

“O governo não se 'recusou a cumprir' uma ordem judicial”,escreveu ela,acrescentando que "a ordem escrita e as ações do governo não entram em conflito".

Ela não disse se o governo havia cumprido a diretriz oral do juiz,mas acrescentou que Boasberg havia extrapolado sua autoridade:

“Um único juiz em uma única cidade não pode dirigir os movimentos de uma aeronave que transporta terroristas estrangeiros que foram fisicamente expulsos do solo dos EUA."

Tudo isso pode ser verdade,mas a ordem oral de Boasberg não foi difícil de entender. Se houvesse uma dúvida real sobre o que Boasberg quis dizer,a melhor prática teria sido buscar esclarecimentos ou recorrer,disseram os especialistas jurídicos.

"Não é preciso dizer que,no Departamento de Justiça,a regra é que,na ausência de uma emergência real,o governo cumpra as ordens judiciais,mesmo que as ordens sejam claramente contrárias à lei,até que consiga revertê-las,seja pelo juiz que as emitiu ou por um tribunal superior”,escreveu Andrew McCarthy,ex-promotor federal,na revista de direita National Review. “Não há problema algum em reclamar amargamente das ordens judiciais,mas elas não devem ser ignoradas,muito menos conscientemente desrespeitadas.”

O governo escolheu um caminho diferente,argumentou McCarthy.

“O governo parece estar intencionalmente provocando incêndios”,escreveu ele. “Isso parece ser uma estratégia jurídica terrível,mas pode estar ganhando na política... pelo menos por um tempo."

O advogado que representou o governo na audiência de segunda-feira apresentou outro argumento: o de que Boasberg não tinha poder para ordenar que os aviões dessem meia-volta depois de terem deixado o espaço aéreo americano. Essa afirmação também foi considerada pouco convincente por muitos especialistas jurídicos.

“O governo está completamente equivocado”,escreveu Hannah Buxbaum,professora de Direito da Universidade de Indiana,em um post de blog. “O juiz está ordenando que o governo tome medidas dentro dos Estados Unidos,ou seja,que instrua os aviões a dar meia-volta. Essa instrução,por sua vez,fará com que algo aconteça em outro lugar (os pilotos mudarão de curso),mas isso não torna a ordem inadmissivelmente extraterritorial.”

É rotina,acrescentou ela,que os juízes ordenem que pessoas nos Estados Unidos façam com que coisas aconteçam no exterior,como entregar provas ou bens.

Para Pamela Karlan,professora de Direito em Stanford,o acontecimento foi emblemático de como o governo Trump agiu em seus primeiros meses no cargo.

— O problema com este governo não são apenas casos isolados,como o que está acontecendo com o juiz Boasberg e a deportação dos venezuelanos — ponderou Karlan. — É um desrespeito crônico às normas constitucionais e aos outros poderes do governo.

Perguntada se a nação havia chegado a um ponto crítico que a levaria a uma crise constitucional,Karlan questionou a premissa.

— O "ponto de inflexão" sugere um mundo em que as coisas estão bem até que,de repente,não estão mais — disse ela. — Mas já passamos do primeiro ponto.

A visão maximalista do governo sobre o poder presidencial,ampliada por seus advogados,pode entrar em uma espiral quando Trump agir sem restrições,disse Greene.

— Um Poder Executivo que opera sem restrições legais internas,mas apenas com base em sua capacidade de se safar,seja política ou legalmente,é suficiente para produzir uma crise constitucional — declarou. — Um presidente que faz o que quer até que alguém o impeça é uma crise constitucional,quer ele seja ou não impedido às vezes.

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