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Entre a fila do SUS e a vida: em cidades sem especialistas, pacientes fazem jornada por atendimento médico
2025-03-18
IDOPRESS
Falta de médicos no SUS — Foto: O GLOBO
A cada quatro meses,a dona de casa Jaqueline Sabino da Silva percorre os 670 quilômetros que separam sua casa,em Mâncio Lima (AC),de uma unidade de saúde na capital,Rio Branco,para levar os filhos às consultas médicas. Essa rotina,que já dura uma década,é essencial porque os dois meninos,um de 14 e outro de 5 anos,são hemofílicos e necessitam de acompanhamento com um hematologista do Sistema Único de Saúde (SUS). Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES),do Ministério da Saúde,mostram que essa especialidade é oferecida em apenas 466 cidades,representando 8,3% do país. No Acre,são cinco profissionais no cadastro,todos na capital.
Quanto tempo na fila? Ferramenta mostra tempo de espera para consulta e cirurgia no SUS em cada estadoA fila não anda: prazo para cirurgia mantém patamar recorde pós-pandemia,e espera pode durar até 634 dias em média
Levantamento do GLOBO com base nos dados do ministério revela lacunas de atendimento no país,em que pacientes precisam viajar longas distâncias para se consultar com especialistas do SUS. O mapeamento evidencia a desigualdade na distribuição de médicos na rede pública. Por exemplo,apenas 6,7% das cidades contam com ao menos um oncologista. Já ortopedistas estão presentes em apenas metade dos municípios,segundo o cadastro.
Uma ferramenta desenvolvida pelo GLOBO permite verificar no mapa onde estão alocadas as especialidades médicas por município. Além disso,um site especial mostra o tempo médio de espera para consultas e cirurgias no SUS por estado. Conforme reportagem do jornal,o tempo médio para atendimento atingiu um patamar recorde após a pandemia de Covid-19.
O Ministério da Saúde informou que está adotando medidas para melhorar a oferta de atendimento especializado à população. A prioridade do novo ministro,Alexandre Padilha,é o Programa Mais Acesso a Especialistas,que visa acelerar o acesso em cinco áreas com maior demanda: oncologia,oftalmologia,cardiologia,ortopedia e otorrinolaringologia. Em busca de uma marca para seu terceiro mandato,o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem exigido resultados,desejando transformar o programa em vitrine eleitoral para 2026.
Entre a fila do SUS e a vida
O CNES,base de dados oficial da pasta,é atualizado com informações enviadas pelas próprias unidades de saúde de cada município e mostra onde,no SUS,estão alocadas as especialidades médicas. Contudo,em alguns casos,profissionais podem ser contratados pelas prefeituras municipais para suprir a demanda,e a informação não é registrada,o que pode não refletir fielmente a oferta de médicos na rede pública.
Casa de apoio
Distante 852 quilômetros de Manaus,a prefeitura de São Gabriel da Cachoeira,com 52 mil habitantes,adotou uma estratégia alternativa. Com escassez de médicos em algumas especialidades,como cardiologia e infectologia,a gestão municipal mantém uma casa alugada na capital para abrigar moradores que necessitam de atendimentos específicos.
Moradores de São Gabriel da Cachoeira esperam por atendimento médico em Manaus em casa alugada pela prefeitura — Foto: Raphael Alves / Infoglobo
O município,localizado na tríplice fronteira com a Venezuela e a Colômbia,só é acessível via barco ou avião. A viagem pelo Rio Negro até a capital dura cerca de 72 horas e pode ser um desafio para pacientes que precisam de tratamento médico.
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— A viagem foi muito cansativa. Eu vim sentada,com muita dor. Tenho essa dor há dois anos. O médico dizia que era gastrite,me receitava remédios,mas não melhorava — contou Ercilia da Silva,de 60 anos,que na semana passada se recuperava de uma cirurgia para retirada de pedras na vesícula em Manaus antes de enfrentar a viagem de volta.
A moradora de São Gabriel da Cachoeira relatou que,até o diagnóstico,foram dois anos de idas e vindas à capital em busca de solução para a dor crônica.
72 horas
é o tempo de viagem de barco entre São Gabriel da Cachoeira (AM) e a capital,Manaus
O secretário municipal de Saúde,Chrystian Barros,afirma que há dificuldades em atrair médicos para a cidade e,por isso,a prefeitura organiza “caravanas” de pacientes que precisam de atendimento em Manaus.
— Não temos as principais especialidades disponíveis no município. Ninguém quer ir para o interior ganhar R$ 20 mil se pode ganhar R$ 200 mil na capital. Nós pegamos o paciente em casa e os levamos para Manaus,principalmente de lancha,já que aqui tudo é feito por barco. Poucas comunidades possuem estrada — explicou Barros.
A estimativa do secretário que 30 pacientes sejam enviados mensalmente à capital,acompanhados,gerando para a prefeitura um custo anual de R$ 5 milhões com passagens. Apenas este ano,o município já gastou R$ 300 mil. Segundo ele,devido à longa distância,há pacientes que chegam a permanecer um ano na casa de apoio alugada pela prefeitura em Manaus.
Falta de estabilidade
De acordo com Carla Pintas Marques,professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB),a carência de médicos em pequenos municípios é agravada pela instabilidade dos vínculos empregatícios,já que prefeitos frequentemente contratam médicos temporariamente sem oferecer garantias para a permanência:
— É crucial preencher esse vazio de médicos no SUS,garantindo a presença de pelo menos um profissional em cada localidade. Contudo,a distribuição ainda falha. Algumas cidades têm muitos médicos,enquanto outras enfrentam escassez — disse ela.
Jaqueline Sabino da Silva,de Mâncio Lima (AC),percorre 12 horas de ônibus até Rio Branco a cada quatro meses para levar os filhos em consultas — Foto: Arquivo Pessoal
Défici assistencial
Ricardo Heinzelmann,diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC),observa que a falta de médicos em regiões remotas do país expõe um déficit assistencial não resolvido por políticas governamentais como o Mais Médicos.
O programa é a principal estratégia do governo Lula para enfrentar a carência médica no interior. Entretanto,Heinzelmann critica a ausência de garantias trabalhistas para os profissionais do programa:
O Mais Médicos enfrenta problemas e precisa ser aprimorado. O programa oferece uma bolsa com vínculos precários. Raramente um médico se mudará para uma área remota,possivelmente levando a família,sem garantias trabalhistas e previdenciárias
— Ricardo Heinzelmann,diretor da SBMFC
Angélica Nogueira,presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC),afirma que o problema não é a falta de oncologistas,mas sim a distribuição desigual,como ocorre em outras áreas.
Ela destaca que não é necessário ter um oncologista em cada cidade. O ideal,segundo Nogueira,é formar unidades regionais bem equipadas,onde pacientes seriam atendidos em centros de média e alta complexidade.
— Um oncologista não irá para uma região sem infraestrutura adequada. Não basta o governo inserir especialistas no mercado sem garantir suporte apropriado para o atendimento — enfatizou Nogueira.
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