A morte de Sócrates,de Jacques-Louis David: 'O problema é que o descontrole se espalhou pra todo lado. Ninguém mais tem dúvidas sobre nada,e a raiva é proporcional às certezas' — Foto: Reprodução

RESUMO

GERADO EM: 17/03/2025 - 21:44

Donald Robertson explora sabedoria de Sócrates em nova obra filosófica

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Quando as noções de história greco-romana e os diálogos socráticos e aristotélicos conviviam com rebeldias adolescentes e amores de ensino médio,surgiu "Merlí" e nos seduziu com seu charme,uma mistura de canalha e romântico vergonhoso. Arrasou nas audiências,encheu a conversa com Epicuro,Platão e Sêneca,e as matrículas em filosofia aumentaram 25% na Universidade de Barcelona. As redes sociais ajudaram a propagar o fenômeno. Basta olhar nas livrarias a abundância de literatura estoica e Marco Aurélio competindo em popularidade com Stephen King.

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Autor de "Estoicismo e a arte da felicidade" e de "Pense como um imperador",o escocês Donald Robertson tem um livro novo a caminho: "Pense como um filósofo grego",ainda sem data de lançamento no Brasil. Esse não é um livro de autoajuda,mas uma biografia de Sócrates articulada com um critério histórico e filosófico a partir de fontes muito respeitáveis. Basicamente,os mais de trinta diálogos que Platão inclui em "Diálogos" e no "Fedro". Inclui também os de Xenofonte,a sátira "As Nuvens",escrita por Aristófanes sobre o filósofo condenado,e uma boa quantidade de outras informações,tanto clássicas quanto contemporâneas.

Segundo Robertson,"é um relato elaborado para que a riqueza do método socrático seja acessível e útil ao maior número de pessoas. Uma ferramenta real e eficaz para viver melhor. Sócrates sustentava que seu trabalho não era só filosófico,mas também terapêutico."

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E justamente,além de escritor e filósofo,Robertson é um psicoterapeuta cognitivo-comportamental (TCC),reconhecido por sua expertise em articular essa terapia com a sabedoria socrática. O autor nasceu há 52 anos em Ayr,a mesma cidade escocesa do poeta Robert Burns,cresceu ao lado de uma floresta,Castlehill Wood,e brincava com seus amigos nas ruínas do castelo Greenan,de frente para o mar.

Mas não foi uma infância feliz. "Como muitos meninos na Escócia,nascidos na década de 70,recebi castigos corporais na escola,até que começaram a ser abolidos no começo dos anos 80. Nos amarravam as palmas das mãos com uma correia de couro chamada tawse,normalmente por falar na aula. Minha mãe também costumava me amarrar com uma coleira de couro para cães. Mais tarde,quando meu pai desenvolveu câncer,ele me dizia coisas feias. Por exemplo,que eu nunca chegaria a nada etc. Tudo isso me encheu de raiva",diz Robertson na entrevista abaixo.

O escritor escocês Donald Robertson,autor de "Pense como um filósofo grego" — Foto: Divulgação

A filosofia o ajudou a exorcizar toda essa dor?

Absolutamente. Me deu propósito e direção. Como outros jovens que perderam seus pais,acho que eu buscava uma orientação para a vida. Órfão de pai e adolescente,ainda estava muito bravo. Fui expulso da escola e tive problemas com a polícia. Com a filosofia,curei a raiva e pude controlar melhor o estresse e minha ansiedade social. Mas também me deu ferramentas para ajudar os outros.

Seu pai era maçom…

Sim,como a maioria dos pais dos meus amigos e como o poeta Burns,que era mestre maçom. Após o funeral,na sua biblioteca,encontrei a filosofia nos livros de maçonaria. Não entendia muito,mas percebi que se falava de Platão,Pitágoras e conceitos filosóficos antigos como as quatro virtudes cardinais: sabedoria,justiça,fortaleza e temperança. Comecei a ler filosofia e religião e isso me salvou. Me formei em filosofia na Universidade de Aberdeen.

Muitos podem achar que é um livro de autoajuda.

Sim,mas está longe disso. Se tomarmos os ensinamentos de Sócrates,não precisamos de autoajuda. Mais do que uma série de respostas,ele nos deixou como herança uma metodologia para clarear nossa mente e nos proteger de danos externos por meio de uma forma específica de fazermos perguntas e questionarmos nossas crenças. É disso que se trata o método socrático.

Quais hábitos deveríamos incorporar para pensar como ele?

Em primeiro lugar,adquirir o hábito de questionar nossas suposições e olhar além das aparências,especialmente quando se trata das questões mais importantes da vida. Devemos tentar definir claramente o que queremos dizer com palavras como "bom" e "mau",e com "sabedoria","justiça","amizade" e outras virtudes. Examinar nossas crenças sobre o propósito da vida,ou o que significa prosperar e nos sentirmos realizados.

O saudável hábito da reflexão…

Como disse Sócrates,"a vida não examinada não vale a pena ser vivida". Quando as pessoas têm um encontro com a morte ou têm o coração partido,muitas vezes reavaliam suas prioridades. Elas percebem,por exemplo,que a riqueza e o status não são tão importantes quanto parecem. Deveríamos nos habituar a reconsiderar nossos valores agora,como se estivéssemos diante da morte.

Está pensando nas redes sociais?

Pois é... A filosofia nos ensina a pensar criticamente,algo necessário se quisermos recuperar nossa liberdade e basear nossas vidas em valores autênticos e racionais,em vez de deixar que pessoas como políticos e influenciadores das redes nos conduzam como marionetes.

Considera isso um dos problemas do mundo de hoje?

O problema é que já não pensamos por nós mesmos,mas obtemos as opiniões das redes sociais. Elas promovem emoções poderosas e perigosas,como raiva,ganância e medo. A tecnologia causa muito dano quando se combina com a retórica política.

Como sair desse circuito?

Usar a sabedoria,que é saber percorrer seu próprio caminho de vida aprendendo a fazer as perguntas certas aos outros e a si mesmo.

E no terreno prático,como seria isso?

Pensar como filósofo é amar a sabedoria acima de tudo,como fazia Sócrates,e pensar mais profundamente sobre o que nos importa na vida. Mas cuidado,refletir filosoficamente sobre nossos valores pode nos fazer questionar alguns dos valores predominantes da sociedade em que vivemos.

Isso fará a vida mais fácil?

Por enquanto,ganharemos liberdade,porque pensar por nós mesmos nos torna livres. Não deixar que sejamos enganados pelas aparências.

Seremos mais felizes?

Sim,no sentido original da palavra em grego. Eudaimonia significa plenitude ou florescimento. Precisamos recuperar o significado original de "felicidade",que se refere mais a "ser bom" (ir bem ou prosperar) do que simplesmente "sentir-se bem".

Mas,apesar de tudo,o interesse pelo estoicismo está crescendo,um caminho justamente não tão fácil de percorrer…

Bem,Sócrates é considerado o padrinho do estoicismo,que extraiu dele seus conceitos mais importantes. Em meados da década de 50 do século XX,sua popularidade começou a crescer após o que se chamou de "revolução cognitiva" na psicoterapia,que atingiu seu auge no final da década de 80,quando a terapia cognitiva,inspirada no estoicismo,obteve uma aceitação generalizada.

Li que o filme "Gladiador",com Russell Crowe,deu um impulso.

Sim,foi lançado em 2000,e lá Richard Harris interpreta o filósofo estoico e imperador romano Marco Aurélio,o que despertou o interesse por ler seu livro "Meditações". Embora o estoicismo seja uma filosofia exigente,muitas pessoas,incluindo Marco Aurélio,se sentem atraídas pelo alívio emocional que ele proporciona. Já na juventude percebi que Sócrates,por meio de seu método,não era nada mais do que um precursor da terapia cognitiva. Às vezes,ele agia como um conselheiro sentimental ou terapeuta familiar que ajudava amigos e familiares a resolver conflitos. Um dos fundadores da TCC,Aaron Beck,disse que teve essa ideia ao estudar "A República",de Platão,em um curso de filosofia. Como eu disse,Sócrates é o grande precursor.

O que recomenda para começar a ler filosofia?

"Apologia de Sócrates",porque é o texto filosófico mais profundo e importante do cânone ocidental. Se eu tivesse que adicionar algo,sugeriria o "Manual" (também conhecido como "Enchiridion") de Epicteto,um resumo das doutrinas práticas do estoicismo. E,finalmente,"Sobre a Ira" de Sêneca,porque trata de um tema extremamente importante que tem sido negligenciado pelos filósofos modernos.

Por que a ira é tão importante?

Porque é o caminho real para a superação pessoal. É através da confrontação direta com nossa ira que potencialmente voltamos a ser completos.

Amplie um pouco…

A ira costuma ser uma emoção voltada para o exterior,pelo menos quando estamos irritados. Como as pessoas irritadas acreditam que a causa de seus problemas está fora delas mesmas,normalmente não procuram ajuda. Mas,se forem deixadas sozinhas,tendem a não enfrentar o problema. Por isso digo que é uma emoção negligenciada. É a emoção mais perigosa. O terrorismo e o genocídio são cometidos por causa da ira,as guerras são declaradas por causa da ira e talvez,algum dia,a raça humana possa até se extinguir por causa da ira.

Importante o que diz em tempos de retórica irada…

E muito. Os políticos usam a retórica para explorar a ira,por isso precisamos da filosofia para nos defender dessa ameaça,que está crescendo rapidamente devido às redes sociais.