'Supersalários são ruins para a democracia', diz autor de livro sobre os privilégios no setor público

2025-03-18     HaiPress

Carazza chama a atenção dos riscos,para a democracia,dos supersalários e penduricalhos que engordam os vencimentos no Judiciário,no Ministério Público e nas carreiras de elite do Executivo e Legislativo — Foto: Arte O Globo

RESUMO

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GERADO EM: 17/03/2025 - 21:58

Supersalários no Setor Público Ameaçam Democracia e Confiança

Bruno Carazza,economista e professor,alerta sobre o impacto negativo dos supersalários no setor público para a democracia brasileira. Carazza destaca que pagamentos acima do teto salarial corroem a confiança nas instituições e alimentam questionamentos sobre sua necessidade. Ele aponta como reformas orçamentárias e a revisão de privilégios são essenciais para enfrentar esses desafios e melhorar a eficiência do gasto público.

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O economista Bruno Carazza,autor de dois livros sobre os privilégios no setor público brasileiro e professor da Fundação Dom Cabral,chama a atenção dos riscos,no Ministério Público e nas carreiras de elite do Executivo e Legislativo.

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No quinto capítulo da série Estado (in) eficiente,Carazza discorre sobre como funciona esse mecanismo que faz aumentar o rendimento bem acima do teto,que é o salário do ministro do Supremo Tribunal Federal.

Em 2024,quando foi lançado “O país dos privilégios”,o primeiro volume de uma série de três livros,Carazza mostrou que 93% dos juízes,desembargadores e ministros ganharam acima do teto,de R$ 46,3 mil por mês.

Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral — Foto: Arquivo pessoal

No ano passado,o Judiciário gastou R$ 7 bilhões com vencimentos acima do teto do funcionalismo,que é o salário do ministro do Supremo Tribunal Federal de R$ 46,3 mil mensais. Como funcionam esses mecanismos que turbinam os salários da magistratura?

Nos últimos tempos,principalmente a magistratura e o Ministério Público estão explorando uma brecha na Constituição que permite esses pagamentos tão acima dos subsídios dos ministros do Supremo,que são os pagamentos indenizatórios,despesas que o servidor faz do seu próprio bolso para alguma função no trabalho,de transporte,alimentação,por isso a Constituição prevê que não devem estar sujeito ao teto. Os tribunais e órgãos do Ministério Público,nos últimos anos,alargaram a interpretação desse conceito de indenização. Começou com a venda de férias — magistrados têm direito a 60 dias de férias,o que já é um grande benefício. Isso é visto como uma indenização,e a “malandragem” é que não está sujeito ao pagamento de Imposto de Renda. Abriu-se então a porteira para uma série de auxílios e outros benefícios. O céu é o limite na criatividade dos tribunais e dos órgãos do Ministério Público no Brasil para criar esse tipo de pagamento que a gente passou a chamar de penduricalho.

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Mas como conter essa bola de neve de benefícios?

A Constituição estabelece que um poder não pode se sobrepor ao outro. Essa ideia de independência foi estendida para esfera orçamentária e financeira. O Judiciário,o Ministério Público e o Legislativo têm assegurado uma fatia do Orçamento,independentemente de cortes e contingenciamentos que afetam o Poder Executivo. Com o tempo,eles têm usado uma fatia desse Orçamento para dar reajustes ou benefícios salariais para si próprios. Esse processo se agravou com a digitalização e o home office,que reduziu o gasto de aluguel,manutenção dos espaços,energia,água e transporte. Toda essa economia foi transformada em benefícios próprios. Uma parte da história é que no Brasil uma série de órgãos,como conselhos,tribunais de contas que deveriam fazer o controle administrativo,financeiro e orçamentário,são dominados por integrantes dessas carreiras,que acabam por legitimar esses benefícios. Para lidar de forma estrutural com esse problema dos supersalários,a primeira coisa é rever a questão da independência orçamentária e financeira que esses órgãos têm,ou limitar o poder normativo desses conselhos,ou rever esses órgãos.

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Duas reformas difíceis...

As duas reformas exigiriam um capital político do governo,uma pressão grande da sociedade para que esses interesses sejam vencidos. Há um corporativismo muito forte no Brasil. E,se não tiver uma pressão externa,principalmente da sociedade e de quem comanda o país,da classe política,a gente vai continuar preso a essa realidade de criação desses supersalários.

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Se nada mudar,a tendência é esses penduricalhos continuarem crescendo?

Ah,com certeza. Por mais que a imprensa esteja em cima,divulgando os abusos,não são casos isolados. Teve uma frase do Barroso (Luís Roberto Barroso,presidente do Supremo) na abertura do Judiciário este ano de que são casos isolados (ganhos acima do teto),mas não são. É um processo generalizado de criação desses pagamentos acima do teto. Sempre que se expõe esse tipo de pagamento totalmente desconectado com a realidade brasileira — a gente está falando de uma pequena elite do serviço brasileiro,a grande massa dos servidores públicos brasileiros ganha muito pouco —,perde-se um pouco da legitimidade,da credibilidade que esses órgãos têm. Com o passar do tempo,isso é muito perigoso,inclusive para democracia. A sociedade passa a entender que todos os juízes são privilegiados,que recebem muito,minando a credibilidade desses órgãos,o que é muito ruim para o país. A população começa a questionar se deveria ter ou não aquela instituição. Isso é muito perigoso para sustentação da nossa democracia. Isso deveria levar a uma reflexão dos integrantes dessas carreiras,principalmente nas altas cortes.

Quais as consequências?

Há uma demanda da sociedade para que haja uma melhor eficiência do gasto público,demanda legítima e necessária. O problema dos supersalários e de outros privilégios que o Estado provê para determinados grupos,inclusive para o setor privado,é que esses lobbies poderosos não deixam que as medidas para tornar o Estado mais eficiente atinjam seus próprios interesses,e a conta vai para população. Já que não consigo acabar com os supersalários,com os ganhos tributários para grandes empresas,o ajuste fiscal vai para as políticas públicas,para as transferências de renda,com a conta paga pela população com serviços mais precarizados. Isso é ruim para democracia. Com o passar do tempo,a população começa a questionar o funcionamento desse Estado,e corre-se o risco de embarcar em discursos populistas.

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As emendas parlamentares este ano vão representar 20% das despesas não obrigatórias do Orçamento. Esse também é um dos temas abordados no seu livro. Como tratar essa questão?

Um dos problemas é a coordenação. A decisão do parlamentar não conversa com o que o governo concebeu nos seus diversos instrumentos de planeamento governamental. Há um choque de visões,a visão global e a local eleitoral. Essa divergência acaba impactando a qualidade do gasto público,por causa do nosso sistema eleitoral. A gente não tem um mecanismo adequado de responsabilização do parlamentar se ele não aplicou corretamente as emendas. Estamos dando cada vez recursos para os parlamentares gastarem,mas se não gastam direito,não necessariamente são punidos não sendo reeleitos. Ele é eleito com votos do estado todo. Um caminho é alinhar o planejamento governamental com o gasto da emenda. Pode-se pensar num modelo em que o parlamentar vai continuar determinando onde se gastam as emendas,mas sem liberdade plena para fazer esse tipo de gasto,seguindo algumas diretrizes gerais que o governo federal poderia estabelecer. Um sistema de voto distrital,não que esteja defendendo,faz mais sentido para um modelo pulverização de emendas parlamentares.

Quais serão os temas abordados nos seus dois próximos livros?

No segundo volume,vamos tratar desse sistema de criação de privilégios do setor empresarial. Há toda uma gama de benefícios tributários gerando caos tributário,há subsídios criados pelos bancos oficiais,como BNDES,Banco do Brasil e Caixa,e um sistema de privilégio em termos de proteção comercial. Há setores que ficam mais expostos à concorrência internacional e outros protegidos,e a decisão é feita a partir dos lobbies. A ideia é mostrar como essa estrutura privilegia uns em detrimento de outros,contribuindo para um país com uma estrutura produtiva com baixa competitividade internacional,o que faz com que nós todos,como consumidores,paguemos um preço alto pelos produtos.

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A Reforma Tributária não melhorou essa questão?

A reforma foi muito bem-sucedida em alterar esse sistema. Ela aponta um caminho de sucesso para reverter esse questão dos privilégios das diversas áreas,com envolvimento da sociedade,um debate público na imprensa,na academia e com diversos setores empresariais. É também um contraexemplo. Na tramitação,setores se organizaram de forma pesada,distorcendo alguns dos princípios da reforma,com lobbies para aprovar tratamentos diferenciados,alíquotas menores minando o que a reforma vai trazer para a sociedade como um todo. A gente ficou com um pouco de gosto amargo,ao fim da tramitação,mas foi um passo significativo de melhoria adiante.

E o volume 3?

Vamos tratar dos CPFs. O Brasil tem vários privilégios para diversas classes de renda. O tratamento tributário que favorece a concentração de renda,com deduções no Imposto de Renda,tributação sobre herança que é muito mais baixa que o padrão internacional,regime de tributação especial para aplicações financeiras privilegiando os mais ricos.

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