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Aguinaldo Silva fala de sua nova novela na Globo, opina sobre remakes, revela ter ciúme de 'Vale tudo' e analisa tramas antigas: 'Época mágica que não vai se repetir'
2025-02-14
HaiPress
Aguinaldo Silva — Foto: Divulgação
Esteja onde estiver,todo dia Aguinaldo Silva faz tudo sempre igual. Acorda às 6h30,dedica boa parte do tempo à escrita e,entre 19h30 e 23h,não abre mão de assistir a séries. Depois,segue para a cama,onde lê até 0h30. Segundo ele,a obediência à rotina é o que o mantém “vivo”: “Sinto como se tivesse 50 anos,mas já tenho 81”. Com disciplina e vitalidade,o autor está debruçado sobre mais um trabalho para a TV Globo,a novela das 21h “Três Graças”. Prevista para 2026,a trama foi antecipada e vai estrear já no segundo semestre,depois de “Vale tudo”,cuja versão original Silva assinou em 1988 junto com Gilberto Braga e Leonor Bassères.
O autor,que deixou a emissora em 2020,após mais de quatro décadas,assinou um novo contrato no fim do ano passado. No período afastado da televisão,continuou prolífico: fez um livro de ficção,ainda a ser lançado; publicou outro,de memórias; e elaborou sinopses,entre elas a que deu origem a “Três Graças”,sobre mulheres que criam os filhos sozinhas.
Nascido no interior de Pernambuco,Silva acredita que já teve “trópicos demais” para o seu gosto. Agora,persegue as temperaturas mais baixas. Quando o calor chegar a Lisboa,onde mora,planeja correr para São Paulo. Lá e cá,vai costurando a história que marcará seu retorno — o primeiro de um autor veterano com vínculo por obra na Globo.
Como surgiu “Três Graças”?
Escrevi a sinopse na pandemia. Originalmente,era uma minissérie. Girava em torno do roubo de um cofre. Depois achei que daria uma novela. Chamei duas pessoas como coautores: Zé Dassilva e Virgílio Silva. Criamos a partir daí uma nova sinopse. Através de um agente,mandei para a Globo. Ficou lá um bom tempo sem que eu tivesse resposta. Depois de quase um ano,fizeram contato comigo,disseram que tinham gostado muito e perguntaram se eu poderia escrever o primeiro capítulo. Escrevi,eles também gostaram e pediram mais cinco. Por aí foi. Assinamos contrato e estamos os três a trabalhar.
De onde veio a inspiração?
Eu era meio obcecado por essa história há muitos anos. Por causa de uma novela que ia escrever ou estava escrevendo,fui fazer pesquisa na Maternidade Leila Diniz,na Barra da Tijuca. Quando cheguei lá,havia uma fila de grávidas esperando atendimento. Percebi que a maioria não tinha 18 anos. Fiquei chocado. Pensei em um dia escrever sobre pessoas que engravidam muito cedo de homens que não assumem a responsabilidade. A ideia ficou guardada no meu cofre de futuras histórias. Até que saiu agora. A novela tem uma linguagem bastante popular.
Onde a trama vai se passar?
Numa comunidade fictícia que já usei em “Duas caras”,a Portelinha,no subúrbio do Rio. Como em toda novela,temos o núcleo das pessoas mais carentes,as nossas heroínas. E o núcleo do qual elas dependem financeiramente,que as emprega. Há um certo embate entre as ambições de uns e as carências de outros.
Existem especulações sobre o elenco. Houve convites?
Tenho atores com quem gosto de trabalhar,mas não escrevo para eles. Depois é que penso: “Isso seria bom para fulano ou beltrano”. Na escalação,há três fatores importantes: autor,diretor e emissora. Elenco tem que ser formado em função dessas três criaturas. Não sei de onde saiu uma história sobre convite ao José Mayer. Eu sei que ele não quer trabalhar. Não fiz convite algum. Nem para ele nem para Betty Faria. Estou preocupado em escrever. Houve época em que autores escalavam. Agora,muito justamente,é um trabalho de uma equipe.
Como está a relação com a Globo nesta volta? Tudo resolvido com a direção?
As pessoas que comandavam o processo que resultou no meu afastamento,por uma dessas ironias do destino,três meses depois também foram afastadas. Sempre disse que não tinha mágoa da Globo. Pelo contrário,devo muito. E ela também me deve. Estamos empatados e seremos felizes para sempre.
Sua última novela,“O sétimo guardião”,teve problemas e críticas. Como analisa hoje?
Eu assumo sem problemas que uma parte do que não deu certo foi responsabilidade minha. Várias coisas não funcionaram,havia um clima interno de bastidores que não era bom. Quando o clima não é bom,não adianta.
E a nova versão de “Vale tudo”? Foi procurado pela autora Manuela Dias?
É complicado falar porque sou completamente apaixonado por “Vale tudo”. Foi um dos momentos mais mágicos da minha vida. Tudo dava certo. Não vou negar: como único autor vivo da novela,tenho certo ciúme. Mas estou com expectativas,quero ver,porque,claro,é outra época. Outros tempos,outros costumes. Evidentemente,não pode ser exatamente como foi naquele momento. Mas é uma grande história. Certamente a Manuela vai fazer um trabalho incrível. Estou querendo ver. Com ciúmes,mas estou (risos). Ela não chegou a me procurar,e acho que fez bem. É a versão dela.
O que acha de remakes?
Confesso que não faria. Você vê: “Tieta”,de 1989,está no ar agora. As pessoas estão amarradas na TV à tarde para assistir. A novela acontece naquele momento. É uma coisa mágica. Funciona ou não. Fico com medo de ver remakes por causa disso,porque aí já não é mais aquela novela,é outra. Tem outro elenco,outra direção,outro tom. Vou ser bem sincero: não sou fã de remakes. Mas eles são feitos e funcionam,né?
O sucesso de “Tieta” no Vale a Pena Ver de Novo mostra que uma boa novela é atemporal?
Quando dá certo,na primeira semana você percebe. Acho que,na fase áurea das novelas da Globo,havia uma conjunção de fatores que fazia com que elas funcionassem. Um fato muito importante que a gente não pode deixar de levar em conta é que as pessoas só tinham as novelas. Não havia TikTok e essas coisas todas paralelamente. Ela não é mais a senhora absoluta do destino. Hoje tem que concorrer com muita coisa. Dificilmente haverá um sucesso tão extraordinário como era rotina acontecer. Foi uma época mágica que não vai se repetir nunca mais.
O que mudou na forma de escrever novela atualmente?
Você tem que lembrar que está concorrendo com TikTok. Não pode fazer aquelas cenas longas. Nesta nova novela,logo no começo tem um jantar que reúne duas famílias ricas em torno de um determinado assunto. Chegou a hora de escrever. E aí pensei: “Mais um jantar? Ah,não,vou fazer acontecer alguma coisa,e o jantar não acontece”. Isso que fiz. Morre um parente de um dos personagens,e o jantar é um desastre total. Hoje em dia você tem que tomar cuidado com aquelas sequências de almoço,as pessoas conversando trivialidades... Não pode perder tempo. Tem que ser curto e grosso. É a minha opinião,não falo em nome do gênero. Aprendi com as séries. Sou completamente viciado. Na pandemia acompanhei tudo. De vez em quando escolho um episódio de “Sopranos” e vou ver. Tem várias séries incríveis,como “Mad men”.
Você sempre foi uma pessoa conhecida por não ter papas na língua. Isso ficou para trás?
É aquela coisa: o tempora,o mores. O tempo,os costumes. A gente tem que se adaptar às novas diretrizes em tempos de paz,como diz o título de outra obra literária. Acho que o mundo evoluiu,né? A gente tem que ser muito mais responsável com o que fala. Coisas que a gente antes achava que não tinham importância agora passam a ter. Acho que é questão de moderação. O Aguinaldo Silva de antes da pandemia não é mais o Aguinaldo Silva de agora. Por quê? Porque as coisas mudaram. O tempo é outro.
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