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‘A responsabilidade histórica no clima é dos países ricos’, diz chefe dos negociadores brasileiros
2024-11-29 HaiPress
Rio Capital do G20: cidade teve injeção de R$ 600 milhões ao longo deste ano com os eventos — Foto: Léo Martins
RESUMO
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Líder brasileiro destaca desafios e sucessos na presidência do G20
O chefe dos negociadores brasileiros,Mauricio Lyrio,destaca a importância histórica dos países ricos na crise climática. Ele revela desafios e sucessos da presidência brasileira do G20,incluindo negociações complexas e necessidade de respaldo do presidente Lula. O foco ambiental e social foi ressaltado na cúpula. A aliança contra a fome foi destacada como grande conquista. A reta final das negociações teve momentos críticos,ressaltando a importância da cooperação internacional.O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
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Existe consenso sobre o sucesso da presidência brasileira do G20 e o desempenho de uma equipe de negociadores chefiada pelo embaixador Mauricio Lyrio,secretário de Assuntos Económicos e Financeiros do Itamaraty e sherpa do Brasil (representante do presidente no G20). Vários testes foram superados,entre eles,uma reta final carregada de tensões e na qual foi necessário,segundo contou Lyrio ao GLOBO,telefonar algumas vezes para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para pedir respaldo a posições dos negociadores brasileiros envolvidos nos debates sobre a declaração final. "Negociar uma declaração como essa é distribuir insatisfações de uma maneira mais ou menos equilibrada entre todos",explicou o embaixador.
Depois de um ano de trabalho,Lyrio afirma que a presidência brasileira “desbloqueou o G20”,ao devolver aos ministros dos países do grupo o poder de tomar decisões,algo que foi perdido após a invasão da Ucrânia por parte da Rússia,em fevereiro de 2022. No Rio,concluiu o sherpa brasileiro,o G20 incorporou temas sociais e ambientais. "O maior problema sobre o tema clima é o antagonismo entre países ricos,que pretendem enfrentar a mudança do clima com medidas rápidas e estruturais,e os países em desenvolvimento,que dizem ‘podemos fazer isso,mas como vocês são a maior fonte desse problema que temos hoje,vocês precisam pagar por isso’. A responsabilidade histórica é dos países ricos”,aponta Lyrio.
A seguir,os principais trechos da entrevista:
Depois de um ano de trabalho chefiando as negociações na presidência brasileira do G20,que balanço o senhor faz?
Fiquei contente com o resultado,porque conseguimos alcançar as prioridades estabelecidas para a presidência brasileira do G20. Tínhamos três objetivos centrais: o lançamento da Aliança contra a Fome e a Pobreza,o chamado à ação (call for action,em inglês) sobre a reforma da governança global,e uma mensagem forte em relação à clima e finanças. Nesses três pontos,conseguimos o que queríamos. Outra conquista foi ter destravado as negociações no nível de ministros,o que nos permitiu,ao longo do ano,chegar a acordos muito positivos. A declaração sobre taxação dos super-ricos,aprovada em julho na reunião de ministros da Fazenda,foi um claro exemplo. O chamado à ação aprovado na reunião presidenta pelo ministro Mauro Vieira,em Nova York (em setembro,em paralelo à Assembleia das Nações Unidas) também. Tivemos um apoio unânime.
O chamado à ação sobre reforma da governança global obteve o apoio de mais de 70 países…
Sim. E destaco,também,outras decisões,como a que se refere à produção local e regional de vacinas no grupo sobre saúde. E,mesmo no caso de temas nos quais não houve declaração (por falta de consenso),como educação,se avançou em temas como o intercâmbio entre os países para melhorar a qualidade do ensino. Aprovamos uma declaração sobre o aumento de recursos para infraestrutura de água e saneamento. Houve uma série de decisões que foram possíveis porque,no fundo,o G20 foi desbloqueado.
Depois de alguns anos difíceis,após a invasão da Ucrânia por parte da Rússia,a presidência brasileira desbloqueou o G20?
O mecanismo através do qual os ministros voltaram a ter poder de decisão funcionou. Isso ficou aprovado em meados de julho,e já funcionou na reunião de ministros do desenvolvimento e na reunião da força tarefa para lançar a Aliança Global contra a fome e a Pobreza. Aplicamos uma fórmula que replicada em várias reuniões,até chegar à cúpula (de presidentes e chefes de governo). Isso permitiu que uma série de decisões fossem tomadas ao longo do segundo semestre.
Embora algumas decisões tenham sido tomadas,por exemplo sobre a taxação dos super-ricos,na reta final alguns países,entre eles a Argentina,recuaram. Como foram essas ameaças de retrocessos na reta final?
A Argentina já tinha manifestado diferenças sobre o texto (da declaração presidencial) antes da cúpula. Eles se opuseram à declaração sobre empoderamento das mulheres,entre outros temas. Esses mesmos temas foram,depois,apontados pelo presidente Milei. Outro era o que se referia à desinformação através de redes sociais. A Argentina tampouco era a favor de mencionar isso. Por conta dessas dificuldades,existiram riscos para a aprovação de uma declaração de líderes. Precisamos conversar com os argentinos,já que eles mesmos tinham aprovado declarações sobre esses temas nas reuniões ministeriais. É lógico que seja feita uma revisão de posições,é legítimo. O que buscamos,então,foi um entendimento que permitisse aos países como a Argentina manifestar suas posições,mas sem afetar a aprovação consensual da declaração. Chegamos à cúpula de líderes com esse entendimento,e a Argentina manifestou suas posições e diferenças em relação a vários pontos. E tivemos declaração presidencial.
Mauricio Lyrio: 'Houve uma série de decisões que foram possíveis porque,o G20 foi desbloqueado' — Foto: RAFAMEDELIMA
Mas houve um momento no qual a declaração esteve em risco…
Foi feito um trabalho para conciliar diferenças. É um pouco a nossa tarefa na diplomacia,levar em consideração as posições divergentes e encontrar a melhor fórmula possível que permita que todos os interesses sejam preservados.
Os parágrafos sobre clima foram mais difíceis de negociar que os que falam sobre as duas guerras?
Em termos de horas,o tempo dedicado a ambos foi mais ou menos equivalente. O problema da negociação sobre a questão geopolítica foi que alguns países,quando já tínhamos uma base do texto pré-negociada,quiseram reabrir a negociação por conta de desdobramentos.
Os desdobramentos foram os ataques russos à Ucrânia no fim de semana prévio à cúpula.
Sim.
O tema foi levado ao presidente Lula?
Foi levado a ele e ele respaldou essa posição (e não reabrir). Esse respaldo é muito importante pelo prestígio internacional do presidente Lula. Quando um negociador diz de forma honesta,verídica,que isso foi levado ao presidente Lula e há uma solicitação do presidente Lula para que todos os países sigam esse pedido,isso tem um peso muito grande. A negociação em si se torna mais administrável porque as instruções vêm do mais alto nível e,obviamente,e de um presidente que tem o prestígio que o presidente Lula tem no plano internacional. Isso fortalece muito a posição do negociador.
Como foi no caso do clima?
Obviamente a dificuldade vinha do fato de que a negociação no G20 esteve intimamente afetada pela negociação também em Baku,na COP 29,porque as negociações foram simultâneas. A cúpula do G20 foi programada com mais antecedência,e a programação de Baku foi uma decisão posterior dos membros da ONU. Isso gerou um processo que naturalmente se tornou mais complexo,porque dependia do avanço de outra negociação. Foi uma negociação dura. Contamos com a ajuda do embaixador André Corrêa do Lago (Secretário de Clima,Energia e Meio Ambiente do gabinete do chanceler Mauro Vieira),que esteve conosco até às 5 da manhã (do domingo 17 de novembro) na negociação. Em todo momento,a orientação e apoio do presidente Lula e do ministro Mauro Viera foram cruciais. Em vários momentos consultei o ministro,que,por sua vez,consultada o presidente. Também consultamos o presidente diretamente,e isso foi muito importante.
No caso do tema clima,o embate maior foi entre países produtos de combustíveis fósseis e os defensores de uma urgente transição energética?
O maior problema sobre o tema clima é o antagonismo entre países ricos que pretendem enfrentar a mudança do clima com medidas rápidas e estruturais,e,por outro lado,os países em desenvolvimento que dizem ‘podemos fazer isso,vocês precisam pagar por isso’. A responsabilidade histórica é dos países ricos. E é fácil dizer que agora temos de usar outras fontes de energia,depois que os países ricos se industrializaram usando combustíveis fósseis. É natural que surja uma resistência dos países em desenvolvimento,porque os países ricos se industrializaram com outros custos,mais econômicos,em condições mais fáceis.
Os países ricos exigem dos países em desenvolvimento o que eles não fizeram…
Exatamente,emitiram carbono em quantidades enormes desde o início da Revolução Industrial,e agora,querem que todos façam diferente,mas fazer diferente sem recursos é congelar uma situação econômica internacional,mundial,em que só eles têm acesso a determinados tipos de produção. Esse empate é muito difícil de resolver. Porque,a cobrança de mais avanços pelos países ricos não corresponde a uma disposição de prover os meios para fazer isso. Porque,eles teriam de pagar. Não dá pra botar só na conta dos países em desenvolvimento e fazer uma transição energética,abrindo mão de outras fontes de energia,sem que haja uma compensação.
Reabrir a negociação poderia ter deixado a cúpula sem declaração?
É preciso demarcar um limite,porque se depender dos negociadores a negociação não acaba nunca. Nenhuma declaração é perfeita aos olhos de um país. É uma espécie de uma vertigem que nunca termina,porque você sempre pode querer ter mais. Negociar uma declaração como essa é distribuir insatisfações de uma maneira mais ou menos equilibrada entre todos.
Em comparação com as declarações das presidências da Indonésia,em 2022,e Índia,em 2023,a obtida no Rio é superior?
É uma declaração mais fiel aos objetivos da presidência brasileira. Quisemos trazer o G20 para questões mais sociais e ambientais.
Esta declaração reflete um mundo que está mudando?
O G20 nasceu como um grupo de coordenação econômica. Basicamente,no nível de líderes,é um filhote da crise de 2008 no mercado financeiro americano. Nos últimos anos ele foi sequestrado por questões geopolíticas. O que faltava? Faltava o social e o ambiental. Aí entra,a visão dos países em desenvolvimento. Porque quem quer tratar dos temas sociais na agenda internacional são os países em desenvolvimento,que mais precisam de avanços sociais.
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A adesão de 82 países à Aliança Global contra a Fome foi a maior conquista do G20 brasileiro?
Desde o ano passado,o presidente Lula nos disse que queria que tivéssemos um objetivo concreto,que tivesse efeito na vida das pessoas. Fizemos uma iniciativa que não é meramente um chamado retórico,ela tem estrutura e meios para ser implementada. A fome se supera com programas sociais abrangentes,com o respaldo de organismos como o Banco Mundial e a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). A aliança terá um período de funcionamento de seis anos,e alguns países já anunciaram os programas pilotos que vão implementar.
Na reta final,duas palavras,entre elas ’infraestrutura',no parágrafo sobre as guerras,destravaram as negociações da declaração final. Como foi isso?
Foi uma negociação (sobre geopolítica) exaustiva,chegamos a um limite,e a única alternativa era ter uma palavra que agradasse os vários lados,porque as interpretações seriam complementares,mas diferentes. A palavra infraestrutura era importante para os dois conflitos. Era preciso tratar do tema e de maneira coerente.
Quem pensou a palavra?
É um trabalho em equipe. Já estávamos pensando na fórmula,a questão era onde encaixar. Colocamos no parágrafo geral sobre os conflitos,no qual falávamos sobre o ataque a civis. Foi uma solução da equipe toda,incluindo o presidente. Foi discutido com todos.
Que expectativa podemos ter sobre a presidência sul-africana do G20,já com Donald Trump no poder nos Estados Unidos?
Os resultados que tivemos no G20 são independentes de novas decisões do G20. No primeiro mandato,o presidente Trump participou de todas as reuniões do G20,e teremos uma presidência do G20 em 2026 com os Estados Unidos. Vejo a continuidade,embora alguns temas possam ficar mais complicados. Por exemplo,o presidente Trump retirou os EUA do Acordo de Paris,isso pode gerar dificuldades. Ao mesmo tempo,o presidente Trump diz que quer coordenar um acordo de paz em algumas regiões do mundo,como a Ucrânia. Isso pode ter efeitos não necessariamente negativos. Os efeitos serão diferenciados,dependendo da área. Tendo a achar que o G20 continuará a ser um foro muito importante.
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