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'Vivemos numa guerra de ideias entre os que respeitam o Estado de direito e os que o minam', afirma historiadora
2024-10-15 HaiPress
Presidentes da China,Xi Jinping (E),da Rússia,Vladimir Putin,durante visita oficial a Pequim — Foto: Sergei BOBYLYOV / POOL / AFP
RESUMO
Sem tempo? Ferramenta de IA resume para vocêGERADO EM: 15/10/2024 - 04:30
"Autocracias S.A.: Anne Applebaum alerta para ameaças à democracia"
A historiadora Anne Applebaum destaca a ameaça das autocracias à democracia,apontando movimentos articulados que minam o Estado de direito. Em seu novo livro "Autocracias S.A.",ela discute a erosão democrática e a necessidade de coalizões para enfrentar a crescente ultradireita. Alerta para a manipulação de informações,como o caso de Elon Musk,e destaca a importância de regular o mundo online para preservar a democracia.O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
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Anne Applebaum é uma formidável conhecedora da História da Rússia,da Europa e do Ocidente,do funcionamento de democracias e do crescente empoderamento das autocracias. Historiadora e jornalista nascida em Washington em 1964,que morou por muitos anos na Polônia,ela escreveu livros importantes para entender o mundo,como “A Fome Vermelha”,sobre o extermínio que praticou Josef Stalin,líder da União Soviética,nos anos 1930,“Gulag”,ganhador de um Pulitzer,e “O Crepúsculo da Democracia”.
Entrevista: 'Violação de pactos por autocratas ameaça futuro da diplomacia',diz historiador britânico
Semanas antes do lançamento de seu novo livro “Autocracias S.A.” (a ser lançado no Brasil no final de novembro),Applebaum conversou por telefone com o El País.
Você escreveu sobre a erosão da democracia. Esse processo está em andamento?
Sim,a democracia está sendo erodida. Em muitas democracias importantes há movimentos autocráticos muito poderosos e articulados,com partidos e líderes que não são apenas críticos de uma maneira formal,como acontece com oposições a um governo,mas sim críticos do sistema políticos e defensores de mudanças. Querem mudá-lo de uma forma que danificaria o tabuleiro do jogo e a competição em igualdade de condições. Nos EUA há certos círculos no Partido Republicano que buscam o que alguns especialistas chamam de “captura do Estado”,tomar instituições e colocá-las a serviço de um partido ou movimento. É um exemplo claro da tendência antidemocrática que vivemos.
Existe o risco da autocracia nos EUA?
Não acredito que os EUA se tornem um Estado fascista. A imagem que temos hoje das autocracias é antiquada,por vezes pensamos em Hitler ou na Rússia contemporânea. Mas a maior parte das democracias que fracassam o fazem quando quem ganhou as eleições de forma legítima começa a desmantelar as instituições. Foi o que aconteceu na Venezuela,Hungria e Turquia. Não consigo imaginar que alguém tome as instituições nos EUA e seu sistema federalista como ocorreu em um pequeno país como a Hungria. Mas há uma parcela do Partido Republicano que tenta fazê-lo e criar o caos.
Você lembra em seu novo livro que,depois da queda do Muro de Berlim,nós acreditávamos que a democracia iria penetrar nas ditaduras graças às novas relações de poder. Mas ocorreu o contrário: foi o antiliberalismo que entrou nas democracias
No começo essas ideias democráticas percorreram esses países,e houve um período em que muitos queriam a democracia nesses países. Mas os líderes entenderam o poder de atração da democracia,o poder dos movimentos democráticos e começaram a combatê-lo. Para isso usaram tecnologia,dinheiro e propaganda em seus países,concluindo que,para manter o poder,deveriam atacar a democracia no resto do mundo. Houve muitas formas de fazê-lo na última década: desde a propaganda russa no mundo democrático à penetração dos negócios chineses na África e Ásia,enquanto alguns ditadores se ajudam a continuar no poder e fazer suas vidas mais cômodas. E ainda houve um forte combate ideológico contra os direitos humanos.
Vladimir Putin,presidente da Rússia,tentou reviver o espírito do império russo com sua guerra na Ucrânia. Ele está perto de seu objetivo?
Ele conseguiu que a Rússia,que tinha um caminho rumo à prosperidade e à abertura,se torne mais fechada,mais pobre e autocrática. Piorou a vida dos russos,sua guerra na Ucrânia causou a morte de centenas de milhares deles. Não criou nada mais estável e seguro,e não é nada bom para a Rússia.
Como sair desse cenário?
O primeiro a ser feito é reconhecer e entender a situação. Muita gente na Europa e EUA não quer mudar a forma de fazer negócios e outros temas. Temos que mudar as regras que permitem a lavagem de dinheiro,o segredo,a ocultação de dinheiro das autocracias em nossas economias,transformar o mundo online em algo mais comparável à democracia. Não é impossível,é necessário regular esse mundo como criamos regras para outras indústrias difíceis no passado. E buscar coalizões. A coalizão para a Ucrânia é uma demonstração do que se pode fazer em outras áreas vitais para o mundo democrático. A ONU como a conhecemos agora,a ideia de um prédio em Nova York ou Genebra,cheio de burocratas,não é o modelo de uma instituição funcional no século XXI. Devemos repensá-lo. E formar coalizões é o início da mudança.
Veja imagens de Kursk,na Rússia,alvo de ataques do Exército ucraniano
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Um cão de rua caminha pelos destroços do posto de fronteira russo destruído no Cruzamento de Sudzha,em Kursk,Rússia,em 24 de agosto de 2024 — Foto: David Guttenfelder/The New York Times
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Moradores de Kursk falam ao telefone perto da Prefeitura da cidade — Foto: TATYANA MAKEYEVA / AFP
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Trabalhadores municipais transportam abrigos de ônibus de concreto em Kursk em 22 de agosto de 2024 — Foto: Governor of Kursk Region/AFP
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Helicóptero de ataque russo Mi-35m dispara foguetes contra forças ucranianas na área de fronteira da região de Kursk — Foto: Ministério da Defesa da Rússia / AFP
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Imagem divulgada pela Rússia mostra soldados ucranianos capturados em Kursk — Foto: Ministério da Defesa da Rússia
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Placa apontando bifurcação entre Ucrãnia e Rússia nos arredores de Sudja,no território russo de Kursk — Foto: David Guttenfelder/The New York Times
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Russos capturados pelas tropas de Kiev durante invasão de Kursk,transportados na região de Sumy — Foto: Roman Pilipey/AFP
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Veículo militar ucraniano em operação em Sumy,que faz fronteira com a região russa de Kursk — Foto: Roman Pilipey/AFP
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Imagem de satélite mostra ataque russo contra blindado ucraniano na região de Kursk,na Rússia — Foto: Ministério da Defesa da Rússia / AFP
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Agentes do Ministério auxiliam pessoas deslocadas dos assentamentos fronteiriços da região de Kursk,ao chegarem a uma estação ferroviária em Oryol em 9 de agosto de 2024 — Foto: MINISTÉRIO RUSSO DE SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA/AFP
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Mulheres e crianças são deslocadas da cidade de Rylsk na região de Kursk — Foto: HANDOUT/GOVERNMENT OF KURSK REGION/AFP
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Casas destruídas após incursão ucraniana na região russa de Kursk — Foto: Governador da Região de Kursk / AFP
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Casas destruídas após incursão ucraniana na região russa de Kursk — Foto: Governador da Região de Kursk / AFP
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Vídeo mostra agentes russos sendo capturados por ucranianos durante ataque em Kursk — Foto: Reprodução
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Publicidade Ucrânia iniciou em 6 de agosto maior incursão estrangeira na Rússia desde a Segunda Guerra
Por que a ultradireita está crescendo?
Estão crescendo a extrema direita e a extrema esquerda. É o resultado de um plano muito cuidadosamente pensado,bem executado e financiado. É a campanha da Rússia,e não apenas da Rússia,para ampliar a linguagem e a ideologia extremistas dentro de cada país democrático. Às vezes com dinheiro,ação política,propaganda,mas é uma realidade que ignoramos completamente. Também vivemos em um momento de mudanças rápidas: sociais,demográficas,de informação,de modo de vida,não apenas econômicas. Para muitas pessoas que cresceram na Polônia ou na Espanha aquele mundo que conheceram não existe mais. E a mudança é tão rápida que as lembranças e valores com os quais crescemos não existem mais. Para muitos,essa nostalgia e o desejo de voltar atrás implica em destruir o sistema e trocá-lo por outra coisa. E isso explica parte do crescimento da ultradireita.
Em lugares como Alemanha e Hungria existe uma decepção com a democracia?
Pode haver uma decepção com a democracia,mas não por questões econômicas. Em qualquer lugar do Leste Europeu eles estão melhor agora do que há 40 anos. Em todas as classes sociais. Também acredito que as diferenças entre as pessoas do Leste Europeu ou da França,Alemanha ocidental,Países Baixos ou Espanha não seja tão grande. Não creio que o leste da Alemanha seja muito diferente do sul da França,que apoia [Marine] Le Pen. As motivações ou sentimentos não são diferentes. Talvez o leste da Alemanha seja mais suscetível à propaganda russa,como a Hungria,por causa da proximidade. Mas não há diferenças essenciais entre o leste e o oeste da Europa.
Putin pisou na ordem e Benjamin Netanyahu,premier de Israel,também. Nos unimos diante da guerra na Ucrânia para enfrentar Putin,mas não no conflito no Oriente Médio. Podemos seguir dando lições de legalidade com esta atitude de duas vias?
O problema do Oriente Médio é que as duas partes rasgaram o império da lei. Há Netanyahu,que foi além do que seria legítimo em sua luta contra o Hamas,e do outro lado há o Hamas e o Hezbollah,organizações terroristas que cometeram atrocidades por décadas. Por isso não é um conflito parecido. O significado do conflito entre Rússia e Ucrânia é muito maior,desafia e afeta os valores europeus,é de uma escala diferente do que acontece no Oriente Médio. No Oriente Médio e no mundo há muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo e não prestamos atenção em tudo que acontece,assim como em guerras terríveis como no Sudão. Mas não ter a capacidade de afetar cada um dos conflitos não significa que não devamos fazê-lo nos casos em que podemos fazer algo.
Você diz que os autocratas têm hoje uma missão em comum: quebrar o império da lei,a ordem baseada no direito. Eles têm chance de conseguir?
Sua ideia é criar um mundo no qual possam fazer o que quiserem. Já têm imunidade em casa,vivem sem controles ou freios,nada que lhes impeça de fazer o que queiram e o que pretendem é ver isso em todo o mundo. Sem limites. Já começam pouco a pouco a conseguir. A Rússia comete assassinatos regulares fora de suas fronteiras,também na Espanha. E isso não acontecia antes. Antes podiam se sentir seguros fora de seus países,hoje não mais.Também usam sua influência econômica para conseguir seus fins. Começam a atuar como se ninguém fosse responsabilizá-los.
Você acredita que as batalhas hoje são ideológicas ou por interesses? O filósofo Markus Gabriel,por exemplo,me disse recentemente que por trás de Trump ou Elon Musk não há ideologia,mas sim interesses.
Concordo que Trump não tem ideologia,só está interessado em si mesmo,seu poder,ego,talvez amigos e família. Mas há pessoas com ideologia: a China,ligada ao nacionalismo e à grandeza do país. Putin tem uma ideologia,a da revanche nacionalista. O Irã tem ideologia,a Venezuela também. O que vemos agora é um trabalho conjunto dos autocratas do mundo,apesar de terem ideologias diferentes. Vivemos uma espécie de guerra de ideias,um conflito entre Estados baseados no império da lei,onde se respeitam valores e instituições,desde uma justiça independente ou a liberdade de expressão,e Estados que não acreditam neles e os atacam. Há uma diferença.
Um homem tão poderoso como Elon Musk difunde mentiras e informações falsas. Isso é um perigo à democracia?
Não é apenas Elon Musk. Acredito que seja um exemplo extraordinariamente ruim,falamos da criação de um sistema de informação que destroi a confiança das pessoas,que não sabem mais em quem confiar,mas é um problema mais amplo do que Musk. Ele está deliberadamente tentando minar as instituições e destruir a confiança das pessoas. Assumindo um papel similar ao da propaganda russa. Mas sim,o fenômeno é prejudicial à democracia porque dentro dela é necessário um debate público baseado em fatos,sobre o que vai bem ou mal: para construir uma estrada,para a política externa,para a educação,para o sistema de saúde. Portanto,é mais uma razão para o declínio das democracias.
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